terça-feira, 11 de julho de 2017

Um conto

Não era um lugar qualquer no mundo, numa qualquer época, era um império em tempos de abundância, governado com mão pesada, regido por regras rígidas e pensamento intransigente. Era um império de beleza exuberante, construído em alicerces esculturais, onde as ruas brilhavam de tanto ouro que ostentavam, mas onde as pessoas não sorriam porque, apesar de terem tudo o que podiam ter, não tinham tudo o que queriam.

Augusto era tudo o que queria e o que tinha, um homem altivo de porte emproado, com poder mas irresponsável e ganancioso. Sonhava em ser maior, aquele ao qual todos se curvavam, que controlava a sua vida, a dos outros e a de um império. Era filho do imperador, mas isso não era o suficiente, ele queria sem qualquer adiamento, tudo aquilo que tinha direito por sucessão. A descrição de sua alteza, não pode deixar escapar, ao leitor mais atento, a frustração e o trauma de uma infância desprovida de atenção, negligenciado pela mãe e violentado pelo pai.

Com a ajuda dos seus pretorianos, tão sedentos de poder como ele, Augusto matou o seu pai, afinal tinha tido uma educação dura e com a qual aprendera a não sentir qualquer tipo de piedade ou culpa (culpa esta, que se espelhou nos olhos já sem vida de seu pai, quando expirou pela última vez). Envenenou-o com o veneno que este lhe transmitira durante toda a sua vida e governou o império com a mesma rigidez. Cego pela riqueza e poder abandonou as suas responsabilidades, e as pessoas governadas por ele, que outrora infelizes mas ricas, foram esquecidas nas ruas sumptuosas [mas impregnadas] de pobreza, fome e pestilência.

A situação tornou-se insustentável e a sede de mudança inevitável. Enquanto Augusto se embriagava na sua própria vaidade (e, para ser mais direta, em barris de vinho), não se apercebia que se sussurravam palavras de conspiração, não se apercebia das movimentações de revolta que se espalhavam pelos becos escondidos. Os súbditos do império não queriam apenas o que lhes fora arrancado, queriam igualmente a única coisa que sempre lhes fora negada, a liberdade de expressão e a oportunidade de não serem aquilo que lhes era imposto.

Apesar do desespero que lhes pautava o quotidiano e da insurgente coragem que brotava da sua vontade de transformação, nem todos estavam de acordo em se fazer algo para acabar com a maldade imperial. Havia os que não eram adeptos da mudança, fugiam dela como quem foge da morte, mesmo que esta fosse a provável consequência da sua inércia.

O medo (para não mencionar aquilo que assalta o pensamento até dos que pouco pensam, cobardia nua e crua) toldava-lhes a já pouca capacidade de sobrevivência e luta. Gerou-se um conflito dentro da revolta embrionária, corroendo por dentro algo que ainda não estava enraizado e cimentado. Formaram-se grupos, os que estavam a favor da queda do imperador e os que nada queriam fazer, julgando que, se nada fizessem, o regime cairia por si.

Os constantes recuos e contratempos que adiavam a promessa de um império justo fizeram crescer suspeitas de traição, mesmo estando Augusto ofuscado com o seu próprio reflexo, foi despertado e alertado pelos pretorianos, que aconselharam uma rápida intervenção. A defesa do seu precioso império estava em marcha enquanto a vontade de o derrubar (será que nunca iria passar disso mesmo, de vontade?) se equilibrava no gume de uma navalha.

Numa manhã fria de outono, aqueles que planeavam a libertação, foram torturados, mortos, esventrados e pendurados pelas ruas, lembrando aos cobardes o seu destino se a coragem algum dia despontasse das suas entranhas. Mas aquilo que ecoava pelo império, e pela mente dos leitores, era a frustração, não pelo que não tinha sido feito, mas pela ausência de alguma vez terem tentado.

M.P.

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